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AssintomĂĄticos: o que se sabe sobre o dano que a covid-19 pode causar em pacientes sem sintomas

Por Mauricio Santos em 16/07/2020 às 10:44:24

A medicina moderna enfatiza, com razão, a importância da ciĂȘncia. O foco, no entanto, se afasta com frequĂȘncia do objetivo real da atenção médica: o cuidado dos pacientes.

Esta ideia foi capturada pelo alerta de William Osler (1849-1919) de atendermos mais o paciente do que a doença. Eu redescobri a verdade desse conselho quando dois pacientes me ensinaram sobre a infecção de covid-19 e desafiaram a expertise que eu acreditava ter sobre como lidar com pneumonia.

O primeiro paciente com covid-19 que surgiu no hospital se parece provavelmente com os pacientes iniciais de muitas outras unidades de saĂșde neste momento.

Era um homem mais velho com pneumonia, que ainda não havia sido testado para covid-19, mas presumia-se que ele tivesse contraĂ­do o novo coronavĂ­rus. Uma equipe de especialistas o examinou cuidadosamente, lhe receitou oxigĂȘnio de alto fluxo e o monitorou em uma ala para pacientes com doenças respiratórias. Ele morreu inesperadamente durante a noite.

O segundo paciente era uma mulher de meia-idade encaminhada a uma unidade de terapia intensiva (UTI) para receber ventilação mecânica. A morte recente do outro paciente havia me deixado nervoso, então, fui examinĂĄ-la. No caminho para o leito, eu imaginei a cena que me esperava: uma paciente lutando por ar, quase sem conseguir falar, com o peito se expandindo em esforços para levar oxigĂȘnio até seu sangue.

Quando cheguei, todo paramentado com meus equipamentos de proteção, estava pronto para sedĂĄ-la a fim de submetĂȘ-la à ventilação imediata. Mas achei que estivesse no leito errado. Ela estava sentada confortavelmente na cadeira, conversando por telefone com sua filha e surpresa com minha aparĂȘncia.

Meus colegas foram superprecavidos, pensei na hora. Mas eles mediram a saturação de oxigĂȘnio no sangue apenas por via das dĂșvidas, mais por instinto do que por preocupação. Pela aparĂȘncia dela, esperava que estivesse quase normal (100%). Mas estava com 75%, nĂ­vel em que geralmente as pessoas ficam inconscientes.

Dano pulmonar silencioso

Eu aprendi rĂĄpido que muitos pacientes com covid-19 em estĂĄgio avançado não tĂȘm nenhum traço de doença respiratória grave até que eles colapsam repentinamente e morrem.

A ciĂȘncia por trĂĄs dessa lição estĂĄ surgindo agora, com um estudo de Wuhan, na China, descrevendo mudanças patológicas nos pulmões em tomografias computadorizadas feitas em pacientes completamente assintomĂĄticos.

A falta de sintomas não é incomum em outras infecções virulentas, como aquelas que envolvem oStaphylococcus aureuse oClostridium difficile, mas a diferença com o Sars-CoV-2 (vĂ­rus que causa a covid-19) é que esse quadro pode ser acompanhado de um dano aos órgãos subjacentes.

Exame de imagem dos pulmões
Tomografias revelam danos ao corpo, ainda que os sintomas não apareçam – Reuters


Pesquisadores descobriram lesões consistentes com inflamação do tecido pulmonar (opacidade em vidro fosco e consolidação, no jargão médico), que não são especĂ­ficas da infecção por Sars-CoV-2 e podem ser vistas em muitas outras formas de doença pulmonar. O que permanece um mistério é o motivo pelo qual, apesar dessas alterações, os pacientes não apresentam sintomas tĂ­picos de pneumonia, como severa falta de ar.

Quase um quarto dos pacientes no estudo desenvolveu febre, tosse e falta de ar, mas a grande maioria, não. A resposta idiossincrĂĄtica à infecção é um dos vĂĄrios enigmas da covid-19, como o motivo pelo qual atinge determinados grupos e não outros. Duas pessoas com exatamente o mesmo perfil demogrĂĄfico e de saĂșde podem expressar a doença em extremos opostos do espectro. O estudo reforça que a ausĂȘncia de sintomas não implica a ausĂȘncia de danos.

Os riscos

A falta de sintomas em uma patologia ativa acarreta riscos tanto para os indivĂ­duos infectados quanto para o restante da população.

As recomendações atuais incentivam os pacientes a ficar em casa se forem assintomĂĄticos, ampliando o risco de chegada tardia ao hospital e de morte sĂșbita.

E hĂĄ o pesadelo da saĂșde pĂșblica. Estima-se que cerca de40% a 45% dos pacientes infectados com Sars-CoV-2 são assintomĂĄticos, com carga viral tão alta quanto aqueles que desenvolvem a doença. Acrescente a isso a taxa estimada de falsos negativos de até 20% em exames de imagem (quando as pessoas são informadas incorretamente de que não estão infectadas) e a escala do problema se torna enorme.

Estes propagadores da doença fora do radar, que continuam expelindo o vĂ­rus por até 14 dias, levam a questionamentos sobre a eficĂĄcia da estratégia de testes ou o uso de exames como medição de temperatura (em busca de pacientes com febre).

Na pandemia atual, esses fragmentos de evidĂȘncias são lentamente reunidos a partir de vĂĄrios estudos pequenos e separados. A imagem completa se formarĂĄ à medida que a qualidade e a quantidade de evidĂȘncias se expandirem e refinarem nossa compreensão do Sars-CoV-2. No entanto, a ciĂȘncia ainda deixa de informar os médicos sobre como melhor administrar o paciente diante deles.

Lesões em uma tomografia computadorizada não podem determinar que tratamento deve ser adotado. O cenĂĄrio atual demanda decisões especĂ­ficas baseadas em juĂ­zos clĂ­nicos.

*Este artigo foi publicado no site The Conversation e reproduzido aqui sob licença Creative Commons. Clique aqui para ler a versão original em inglĂȘs.

John Kinnear é diretor da escola de medicina da Universidade Anglia Ruskin, no Reino Unido.

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